"Parti assim ontem de madrugada, andando a pé para mostrar que era de espírito humilde que eu me aproximava do santuário. E uma boa caminhada é decerto o melhor dos preparos para orações!
Parta de espírito revigorado, como um cavalo nutrido a milho; deixe que ele se empine e dispare, arrastando-o para cá e acolá. Nada o há de manter na estrada; pelos prados orvalhados ele buscará distração, esmagando onde quer que pise mil florações delicadas.
O dia contudo esquenta; cabe-lhe conduzi-lo, ainda a passos saltitantes, de regresso ao bom caminho; e ele o transportará de um modo leve e veloz, até que o sol esteja a pino e lhe sugira um descanso. Na realidade, e sem metáforas, a mente se move às claras por todos os labirintos da estagnação de um espírito quando pernas desenvoltas a impelem; e a criatura, com o exercício, se torna ágil. Suponho assim ter eu pensado muito, após toda uma semana passada dentro de casa, durante aquelas três horas que levei caminhando pela estrada para chegar a Walsingham.
"E meu cérebro, que a princípio, ligeiro e alegre, pulava que nem uma criança brincando, sossegou a tempo de dar-se a um trabalho sério, não obstante seu contentamento. Pois foi nas coisas sérias da vida que eu pensei - tais como a velhice, a pobreza, as doenças e a morte, considerando que seria parte inevitável do meu destino encontrá-las; e considerando também as alegrias e as dores que se encadeavam sem trégua pela minha vida. Tudo que fosse de somenos não iria mais me alegrar nem incomodar como outrora. Apesar de isso fazer eu me sentir circunspecta, senti também já ter chegado a um momento em que tais sentimentos são sinceros; e ademais, enquanto andava, parecia-me ser possível entrar nesses sentimentos e estudá-los por dentro (...)"
Virginia Woolf em "O Diário de Mistress Joan Martyn", 1906.
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Pitangui - MG |
Lu me lembrou o que eu escrevi no meu caderno ontem: O sentimento de expansão me ocorre aos passos que rompem, rasgam o caminho. Um sentimento cheio de vontade.
ResponderExcluirTem tudo isso, é uma corrente de pensamento, tudo junto, com os passos, a estrada, o sol, o cansaço. Muito lindo, Lu.
ResponderExcluirÉ Rique, isso que vc falou é muito legal, acho que é isso que ela tá dizendo no terceiro parágrafo... me encanta é como ela consegue comparar a mente à criatura (homem ou cavalo) que precisa do exercício para ser mais ágil, mais definida, para que o pensamento possa, após as primeiras investidas pelos aspectos exteriores, enfim, voltar-se para uma capacidade mais analítica de si mesmo... acho que vcs caminham para isso também, não?
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