terça-feira, 28 de maio de 2013
Ganesha
Nasci na orla da morte, como você. Não há pureza, não há perfeição. O que há é criar e destruir.
Talvez por isso eu nunca sei o que quero, mas desconfio que não deveria saber o quê quero, deveria apenas querer. Mas como o saber?
Se eu quisesse o que quero, eu iria querer flutuar.
Também iria querer um elefante que dormisse comigo na caverna e que mudasse para o tamanho que eu pedisse. Ele serviria de montaria, travesseiro, cachorro, chuveiro e gangorra. Eu poderia amarrar sua tromba com o rabo e teria uma ótima mala. Juntos flutuaríamos até o mar, pousando na Ilha de Cragen, onde são feitas as conchas. O anão do serviço secreto crageneano tentaria nos expulsar, mas meu elefante o esmagaria como a uma aranha. Então tomaríamos de assalto a ilha e nomearia meu elefante "Lorde Haathi, Governador das Conchas e Moluscos Marinhos". Viveríamos de pepinos do mar, ovas de peixe espada e rocambole de lagosta e à noite fumaríamos algas secas em cachimbos de madrepérola. Haathi seria eterno para mim.
Iria também querer saber o que as coisas sentem quando eu as toco. O que se passa com as sementes enquanto estripo a abóbora. O que pensou a bolha de sabão que estourei, os sapatos que experimentei mas acabei não comprando. Teria remorsos a faca que me feriu? O muro chapiscado aprecia as minhas carícias? Será que o cobertor gosta de me envolver? O envelope de que eu o lamba?
Só não iria querer ser direta, porque então eu seria uma seta, uma lança, quando de fato sou uma lagoa. Um lago cuja continência é ilusória e nenhum limite perenal.
Na orla da morte não deveria ser permitido o querer. O querer é gasolina de muitos, mas é gelo para mim. Congelada, entorpecida, incompleta, sigo sem saber o quê querer.
Haathi seria divã também.
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