quarta-feira, 31 de julho de 2013

Hands Off








Descobri que poucas coisas podem ser mais nonsense do que esse vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=4jhCJdk4MH0


São 167 japoneses tocando em Theremins construídos em Matrioskas. Ou seja, nem explicando fica menos estranho...

Não sabe o que é o Theremin?

http://www.bbc.co.uk/news/entertainment-arts-14396967

O Pato Fu (sempre eles!!) fez uma homenagem em 'EU':

http://www.youtube.com/watch?v=kPrWzsrpHis


Quer saber mais sobre Theremins no Japão?

http://japanese.lingualift.com/blog/theremin-in-japan/










terça-feira, 30 de julho de 2013

Vetusta Vivenda






Por faltar quem lhe tomasse conta, o mato e as bananeiras, os pássaros e os micos encarregaram-se da direção.

O gado há muito se foi. Os cavalos e cães também.

Ainda presos no vento, os risos da criança loura, que um dia caíra da janela machucando a fronte na pedra pontiaguda, volteiam entre os pés de fruta.

Hoje, o musgo grassa nos poliedros rústicos que levam ao alpendre, os morcegos morcegam pelos beirais e são os únicos a atrever-se no interior.

Entregue à si própria, flutua no tempo e não compartilha as memórias dos anos em que a Bígama lá vivia nem a vibração descuidada dos reisados que enchiam de música a propriedade.

Também não reconta as vezes em que os guinchos dos suínos sacrificados comprimiam o ar com pavor e morte, ou mesmo quando o mancebo Luiz quase se foi Desta Para Uma Melhor no incêndio do paiol, tudo porque, boêmio, dormira embriagado.

Agora ela floresce isolada, distante da ciência dos Outros, e desabrocham novos veios que raiam o azul esmaecido das paredes.

Mas não pense que está abandonada, ocorre que não é mais uma casa, mas uma Caravela singrando o verde líquido do Oceano do Tempo, enquanto a tripulação ligeira chireia levando a vela solta.


A baravento estavam Eles, a sotavento estou Eu.









domingo, 21 de julho de 2013

Avião Aeroporto


Avião Aeroporto



Pelo avesso
vamo pro fundo, pro fundo
o arame farpado na cabeça
vento, cata-vento, vulcão
pâncreas, fígado, coração
suspeito
de tudo que passava por lá e vinha pra mim
da cabeça passava pro coração
ia e voltava fundo
um pouco do produto bruto que jorra da sua pessoa presa
acesa
sinto muito que você não pensa nisso
surpresa sua
mas pode ser também surpresa minha,
surpresa sua
por que o corpo humano tem a resistência perfeita
se bate de leve dói, bate de com força mata
se bate de leve dói, bate de com força mata
se bate de leve dói, bate de com força mata
se bate de leve dói, bate de com força mata
se bate de leve dói, bate de com força mata
bate de com força mata

Karina Buhr



*foto web

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Que mais podia um velho fazer, nos idos de 1916, a não ser pegar pneumonia, deixar tudo para os filhos e virar fotografia?

o que passou passou?

Paulo Leminski

Antigamente, se morria.
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dias de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado
O escândalo era de praxe,
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que tem que morrer,
Tinha coisas que tem que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
deixar tudo para os filhos
e virar fotografia?
Ninguém vivia para sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Mas ninguém tem culpa.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Não tem o que reclamar.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.



terça-feira, 16 de julho de 2013

Para o Rique

Este bológuio é tão exclusivo que tem um único seguidor. Para ele vai esse poema do Leminski.


sete assuntos por segundo

Ut pictura, poesis
Horácio

    Para que serva a pintura 
a não ser quando apresenta
    precisamente a procura
daquilo que mais aparenta,
    quando ministra quarenta
enigmas vezes setenta?



    sossegue coração
ainda não é agora
    a confusão prossegue
sonhos a fora

    calma calma
logo mais a gente goza
    perto do osso
a carne é mais gostosa



    lá fora e no alto
o céu fazia
    todas as estrelas que podia

    na cozinha,
debaixo da lâmpada
    minha mãe escolhia
feijão e arroz
    andrômeda para cá
altair para lá
    sirius para cá
estrela dalva para lá






sábado, 13 de julho de 2013

Do privilégio de enxergar

É engraçado, mas desde pequena tinha umas manias esquisitas. Uma delas era achar que iria ficar cega de um dia pro outro. Comecei a fazer várias coisas no escuro, como comer, trocar de roupa, me locomover pela casa e tomar banho (o que faço até hoje) sem ligar uma lâmpada.

É possível que essa mania fosse influenciada por um casal de cegos que moravam perto da minha casa e que eram amigos de minha mãe, mas acho que não. Nem pelo fato de que aos sete anos tomei uma chinelada no olho. Estava engajada em uma atividade que sempre havia me proporcionado um prazer sádico e saudável: provocar cócegas na minha irmã. Não sei porque, mas ela nunca entendeu a graça da brincadeira, tanto que esperneava e se contorcia, mandando chutes para todos os lados. E, como sempre, reclamava para minha mãe. Naquela noite, após pelo menos umas três ameças, minha mãe perdeu a paciência e tirou as havaianas para me dar umas chineladas.

Para o azar dela e meu, as havaianas nunca foram muito fiéis à propaganda e a tira se soltou em pleno ato de punição, de modo que ao invés da merecida bronca, ganhei uma visita ao oftalmologista. Nada de grave se sucedeu mas, minha mãe passou uns dias me paparicando por se sentir culpada (recomendo às crianças com excesso de energia que aproveitem este momento, porque dura pouco).

Outra coisa que eu fazia era brincar usando um tampão no olho. Não lembro por qual razão fazia isso, mas minha mãe diz que eu de vez em quando brincava assim, vai ver que era vontade de ser pirata ou ver o mundo com um olho só... Acredito piamente porque tem até foto para provar.

Quando adulta esqueci essa história de ficar cega porque enxergava muitíssimo bem e frequentemente ia a oftalmologistas que garantiam a integridade de minha visão. No entanto, eu já devia saber que é quando descuidamos que a coisa acontece. Não é que alguns meses atrás quase fico meio cega?

Meu olho esquerdo deu erro e a retina descolou, igualzinha à tira da havaiana. Segundo minha médica, a causa é puramente idiota e pior, rara. Não tenho diabetes, não tive nenhum traumatismo nem tenho miopia, que são os fatores mais comuns do descolamento. De acordo com a médica, menos de 5% da população nasce assim como eu, com pequenos furinhos nas retinas, chamadas ruturas. 

Com a idade o gel que preenche o olho vai se liquefazendo e, ficando mais líquido, passa pelas tais ruturas, empurrando e descolando a retina e fazendo muita gente perder a vista e eu, a paciência. Passei por duas cirurgias e a terceira está por vir, mas ainda enxergo (um pouco pior) nesse olho.

Não satisfeita com isso, recentemente descobri que tenho propensão ao glaucoma pigmentar, que é pouco comum para mulheres da minha idade. Esse glaucoma é causado pelo entupimento dos canais de drenagem do olho por pigmentos que se soltam da íris. Quer mais ou tá de bom tamanho?

Com isso tudo, aprendi duas Lições de Vida. A primeira é que a Oftalmologia é uma especialidade muito engraçada. Os nossos olhos são cheios de coisas com nomes divertidos como humor vítreo, moscas volantes e filme lacrimal. E os exames? Retinografia, goniscopia, tonometria, campo de visão e uns quinze mais... Ser Oftalmologista parece coisa de Professor Pardal, eles têm um milhão de aparelhos, lentes, máquinas, instrumentos... se juntar tudo numa sala fica parecendo laboratório de filme de terror da década de 40. 

Outra lição bem aprendida é que eu devia ter prestado mais atenção aos exotismos da infância. Uma criança tão sábia quanto eu fui, e fiquei tão boba de adulta!

O pior não é não ver, é não enxergar!!


sexta-feira, 12 de julho de 2013

Calvino

"Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores. Existe um momento na vida dos imperadores que se segue ao orgulho pela imensa amplitude dos seus territórios que conquistamos, à melancolia e ao alívio de saber que em breve desistiremos de conhecê-los e compreendê-los, uma sensação de vazio que surge ao calar da noite com o odor dos elefantes após a chuva e das cinzas de sândalo que se resfriam nos braseiros, uma vertigem que faz estremecer os rios e as montanhas historiadas nos fulvos dorsos dos planisférios, enrolando um depois do outro os despachos que anunciam o aniquilamento dos últimos exércitos inimigos de derrota em derrota, e abrindo o lacre dos sinetes de reis dos quais nunca se ouviu falar e que imploram a proteção das nossas armadas avançadas em troca de impostos anuis de metais preciosos, peles curtidas e cascos de tartarugas: é o desesperado momento em que se descobre que este império, que nos parecia a soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e sem forma, que a sua corrupção é gangrenosa demais para ser remediada pelo nosso cetro, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros de suas prolongadas ruínas. Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguiu discernir; através das muralhas e das formas destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins".


Introdução de "As Cidades Invisíveis", Italo Calvino.





O que mais me em Calvino é a natureza lúdica de sua obra e sua imensa vontade de transformar todo e qualquer texto em uma brincadeira, criando jogos de palavras, de ideias, jogos linguísticos e literários, intertextuais e, os mais interessantes para mim, os gramaticais, principalmente quando eles florescem de sua maravilhosa capacidade de formular parágrafos gigantes, perfeitamente inteligíveis e quase intermináveis, desses que são um tour de force de ideias versus fôlego, fazendo o leitor ao mesmo tempo divagar no tempo e no espaço sem notar que não se fez a pausa ou que houve o fim da ideia pois foram substituídas pelo fluxo encadeado de observações e pensamentos, e correr os olhos pelas linhas do texto dispersas no papel, como se fossem as margens de uma estrada que se viaja mansa e continuadamente, prestando atenção às árvores da direita e o pequeno lago da esquerda, onde uma ave acaba de levantar voo tendo em seu bico um diminuto peixe e ambos vão subindo, subindo, até alcançarem as nuvens dispostas no céu pintado por um artista caprichoso e excêntrico, que usou todo seu saber, todo seu talento para nos impressionar, não com uma arte histriônica, mas com sua maravilhosa habilidade em nos enganar, de hipnotizar a atenção do alerta e do distraído, conduzido-nos por fim a uma deliciosa sensação de volta ao mundo em um parágrafo, de uma vida inteira em poucas linhas.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Galinhas Chocas

À meia noite fez o silêncio que
nem os grilos ousavam perturbar.
Apenas umas galinhas-chocas
cacarejando "comprado, comprado!"

Mas ninguém lhes deu atenção.
O que é comprado não foi achado
O que é achado não foi vendido
O que é vendido não foi encontrado
Ainda.

No Achados e Perdidos
do comércio de almas,
vendem-se as belas
perdem-se as escuras
compra-se as puras
e as encontradas nunca são devolvidas