quinta-feira, 7 de agosto de 2014

A Bicicleta

O menino queria voltar para casa e precisava da bicicleta da loirinha para isso. Mas a bicicleta não estava muito boa da cabeça, pois já estava bem velhinha. Seus pneus já tinham perdido os cabelos e os dentes da roda já não funcionavam bem. Mesmo assim, ela sabia o quanto era importante para o rapazinho voltar ao seu planeta. Ela ouvia todo o tempo ele dizer “é tê minha casa”. Tinha pena do coitadinho desse menino. Tão feiinho, pensava, deviam ter expulsado ele de casa, talvez até porque ele fosse feiinho mesmo. Compadeceu-se dele. Não estava boa da cabeça, mas isso não queria dizer que gostasse de injustiças. O outro garoto, o irmão da loirinha, o 'seu' garoto já nem sabia mais o que era andar de bicicleta, só pensava em patins e skate, mas não agora. Agora, eles precisavam dela para ajudar o rapazinho.
Quem sabe ela não realizaria seu grande sonho, o de voar? Quem sabe o disco voador não levava ela também? Era uma ótima ideia, ver outros planetas, a via láctea, o Harley. Será que ele a deixaria correr em sua calda? Já não estava mais ligando pra ficar nesse mundo mesmo. Quando se é velho, ninguém mais presta atenção em você. Parece até que é um inútil de um maluco.
Colocaram o é tê em sua cestinha e o seu menino pedalou, pedalou e pedalou. Foi tanta pedalação que a velha bicicleta começou a voar. As outras bicicletas que os acompanhavam também deram um grande salto em direção à lua, mas não conseguiram.
Apenas eu estou voando, pensou, e de repente, a lua saiu do lugar para lhe dar passagem. O seu menino e o é tê já não estavam mais com ela. Seus velhos pneus agora não eram mais de borracha, eram feitos de pó de estrelas e ela não era mais uma velha bicicleta da terra. Era uma cadeira de rodas, uma cadeira com lindas rodas de poeira do universo e era ela mesma um cometa, um cometa que carregava uma galáxia supernova em seu colo e viajava à velocidade de deus em direção a um lugar muito escuro, um lugar que puxava toda luz como o bueiro puxa a água da chuva.
Ela entendeu o que estava acontecendo e percebeu que também ela estava indo para lá, para esse lugar onde as luzes já usadas ficam tão juntas, mas tão juntinhas que acabam virando um só pontinho bem pequenininho. A velha bicicleta ficou muito feliz porque viu que ela ia virar luzinha.

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